Antão ou a Prótese de Nazareno
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Antão ou a prótese de Nazareno, de José Emílio-Nelson, é herdeiro de La Tentation de saint Antoine de Flaubert, reiterando uma teatralização numa espiral desconcertante, bizarra, de jogo de planos, vozes, que, com imaginação e realismo, coloca em cena problemáticas contemporâneas (como a identidade de género, a imagem do divino, a apologia do corpo vivo, as relações políticas e económicas de poder); perverte e orienta a noção de barroco, sublinhando a regulação da alma pelo desejo, a dor no êxtase do corpo, a história de Cristo (relação do homem ao pai), tal como Lacan o entendia:’mistério do inconsciente’
De entre os poetas da minha geração José Emílio-Nelson terá sido aquele que mais lestamente amadureceu no seu caminho. E nunca transigiu. Esta obra nova, Antão ou a Prótese de Nazareno, entronca-se num dos veios principais da sua obra.
Muito para além de situar-se como um poeta-bobo, jogral, histrião, no seu talhe mais imemorial, em jogatina contra as viciadas Cartas do Poder do Tempo, há décadas que José Emílio-Nelson, com a força de uma cadência ritualizada e tantalizante, se entretém a desmantelar o halo do sacrifício crístico e a mostrar que a tentação do Bem é mais perigosa do que a do Mal.
A sua blasfémia, caso isso existisse na liberdade livre que cultiva, consiste na reiteração de que só a heresia é uma via soteriológica. Contudo, na sua obra, mais do que investir-se numa simples lógica do reverso ou do que numa “esca-ateologia” que se entrega a plebiscito, é muito claro o resgate da própria dimensão do Sagrado contra a anti-deleuzeana “Fé-Sem-Orgãos” com que a Igreja condenou o corpo do Cordeiro Ungido na Cruz – Cristo, no lenho da iconologia católica, foi sendo investido em “indiferente” ready-made.
Há quarenta e cinco anos que José Emílio-Nelson denuncia que Deus se entregou à apostasia, ao enredar-se na armadilha do Tempo («Camuflei-me de Deus e inebriado ofereço a Beleza por linhas tortas»). É essa a chaga. A que se impõe pelo escândalo do corpo estropiado, necrosado, de Cristo morto, representado mil vezes pelo viés das trevas que roubam todo o sossego a um Lázaro. Contra a pulsão martirológica, José Emílio-Nelson tenta devolver pelo avesso da dor, à distância de uma perspetiva humana, o Desejo ao corpo desse desenganado Filho de Deus, a pouca Alegria à Consternação do Mal.
Antão ou a Prótese do Nazareno é o novo capítulo deste programa de re-humanização dos Fiéis.
Antão é o célebre padre do deserto, o eremita, que, como Cristo, foi assaltado pelas Tentações, e objecto de conhecidas abordagens clássicas, de Bosch a Flaubert. O livro retoma este combate e dá-nos, numa particular “peça de teatro em palimpsesto”, uma perspectiva sobre os dramas próprios e a visão de Antão quanto à Paixão de Cristo. As personagens: Antão, o Demónio, o alter-ego do autor em Bem-Digo, e uma panóplia de Vozes que evocam de modo simultâneo as múltiplas leituras que do caso se fizeram e fazem (na sua “actualização perpétua” – uma forma deste teatro em palimpsesto eliminar as hierarquias que o Tempo arma – nem escapa ao olhar do autor o estado de falência moral de Israel, neste momento).
O procedimento é o mesmo de Banquete sem Mozart (Radioteatro). Há uma narrativa que pulsa – em “quantas” em ou células de luz (fragmentos, apotegmas, sentenças, versículos) numeradas – e onde se entrançam as várias vozes. Imaginemos um mural de ladrilhos bizantino que se move à nossa frente e onde os ladrilhos trocam de posição na perspectiva de conjunto, à medida que o mural é varrido pela luz da nossa leitura. O trabalho da luminotecnia é nosso. Exigente? Como tudo o que retempera.
Porque o convite que nos endereça esta peça-proto-experimentalé que aceitemos uma Arqueologia do Sensível e nos esqueçamos das exúvias de Deus. É difícil fazer melhor.
António Cabrita
Peso | 164 g |
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Dimensões (C x L x A) | 14.5 × 0.8 × 20.5 cm |
Editora | Edições Esgotadas |
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